2. Junho 2016

swissinfo.ch

Políticos não devem
temer o poder popular


Por Urs Geiser

Além de ser um renomado especialista em democracia direta, o ex-par­la­mentar suíço Andreas Gross é provavelmente o único cidadão suíço com experiência prática de ativista de base: ao lançar iniciativas po­pu­la­res e organizar campanha como membro de parlamentos em nível local, nacional e europeu. Entre outros, também é pesquisador e autor de liv­ros sobre o tema do poder popular.


Andreas Gross como delegado no Conselho da Europa,
em 23 de abril de 2013, Estrasburgo, França.
(Foto: Keystone)

Tendo dedicado a maior parte da sua vida profissional a questões de de­mocracia participativa, o político e cientista político de 63 anos faz uma retrospectiva das quatro décadas de atividade através do lançamento de um livro contendo uma ampla coleção de artigos, entrevistas, análises e o discurso feito na Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova Ior­que. Seu livro - A Democracia Direta não Concluída - foi a perfeita opor­tu­ni­dade para a swissinfo.ch questioná-lo sobre diferentes aspectos do seu trabalho.

Gross gosta de comparar o sistema da democracia com um quebra-cabeça. Algumas vezes ele se refere a ela como uma grande obra de arte, uma espécie de Gesamtkunstwerk. O fascínio, mas também o maior desafio, ele afirma, é que os elementos do quebra-cabeças são tão fluídos que é praticamente impossível alcançar um sistema de democracia direta perfeito e estável. Ao tentar limitar os elementos-chave da democracia no estilo suíço e mostrar a outros países, Gross ressalta três coisas:

Trunfos ...

«Primeiramente, políticos não devem ter medo de compartilhar o poder com o povo, pois não existem questões fundamentais que não possam ser compreendidas pelos cidadãos. Cada um pode aprender. A aprendi­za­gem social é um dos produtos derivados mais importantes da demo­cra­cia direta. O poder político tem de ser compartilhado entre as dife­rentes camadas de um Estado europeu federalista - com níveis nacional, regional e local. Na Suíça, isso significa que os cidadãos votam em questões fiscais e não as delegam inteiramente a um governo central. Isso está muito distante da realidade em outros países europeus. Mas a União Europeia faria bem de introduzir mais elementos da democracia direta.»

«A experiência suíça mostra que cidadãos modernos gostam do in­stru­mento da democracia direta: o direito de propor ideias em quase todos os temas, a qualquer momento, modificando, dessa forma, a consti­tui­ção ou alterando leis. Essa é a lição - ou incentivo número dois. Eu discuti sobre a participação de cidadãos com pessoas em mais de 65 diferentes países e provavelmente participei em mais de 1.100 debates públicos sobre o tema no últimos quarenta anos. Nunca cruzei com alguém que não gostasse de da ideia de lançar questões políticas. Não cabe a nós julgar se os cidadãos utilizarem de forma sábia seus direitos de democracia direita. As opiniões podem diferir sobre a sabedoria das decisões populares, ou de uma proposta, mas é fundamental dar às pessoas o direito de opinar em um Estado democrático.»

«Ponto número três: instrumentos de participação política precisam ser de fácil utilização por parte dos cidadãos. O design define a qualidade da democracia direta. As barreiras para forçar o voto em nível federal pre­ci­sam ser baixas. Na Suíça é preciso apenas o apoio de dois por cento dos cidadãos elegíveis para uma proposta de modificação da consti­tui­ção e, aproximadamente, um por cento para modificar uma decisão aprovada no Parlamento. Os responsáveis pela campanha necessitam ter tempo suficiente para coletar as assinaturas - 18 meses e 100 dias, respectivamente na Suíça. Em outros países os prazos são muito mais curtos. Por vezes é uma questão de semanas antes da coleta de assi­na­tu­ras e a votação. Os responsáveis devem também ter liberdade de escolher os espaços públicos para se dirigir aos cidadãos. Ninguém deve precisar ir à delegacia para assinar uma iniciativa.»


Andreas Gross ganò notoriedad como activista de la democracia directa.
Gross durante a campanha em prol da abolição do Exército suíço em 1986.
(Foto: RDB)

«Finalmente, o debate público é a alma da democracia direta e a afluên­cia às urnas não deve decidir se um voto é válido ou não, como atual­men­te na Itália. Ter um sistema de quórum mínimo de participação é como, no futebol, atribuir uma meta a um time para evitar que os joga­do­res cometam entradas perigosas ao invés de expulsá-los do campo se isso ocorrer.»

… e alertas

Gross é um apaixonado por futebol. Ele torce pelo FC Basel, a equipe dessa cidade ao norte da Suíça, onde o ex-político cresceu. Mas deix­an­do de lado as imagens de esporte - que não ajuda necessariamente a es­clarecer as coisas - sua atenção focou-se nos três pontos fracos da democracia direta na Suíça.

«Ao contrário da Califórnia ou Alemanha, não existe na Suíça um tri­bu­nal constitucional capaz de lidar com as iniciativas não compatíveis aos direitos humanos básicos. Uma instituição parecida é necessária para evitar decisões discriminatórias às minorias, levando à uma tirania da maioria. Todo mundo tem direitos básicos. Eles nunca devem ser sub­metidos a votos. Alguns grupos de pessoas - mesmo criminosos - de­vem estar protegidos pela lei. Existe um número de iniciativas recentes na Suíça, aceitas pelos eleitores nas urnas, mas que violam os direitos fundamentais. A proposta de deportar estrangeiros criminosos, as iniciativas de prisão perpétua para abusadores sexuais - sem dar-lhes uma segunda chance - a iniciativa para banir os pedófilos condenados do trabalho com crianças são alguns dos casos em questão.»

«Alerta número dois: a democracia necessita de regras de transparência na questão do financiamento de campanhas políticas e partidos. E por que? Pois o dinheiro é um risco que pode prejudicar todo o sistema. Apesar das críticas intermitentes do Conselho de Europa, a Suíça é o único país na Europa sem uma lei para definir os limites de finan­cia­mento privado na política. Isso é o pior, pois a maioria dos países enfrentam a questão do financiamento a cada quatro anos durante eleições. Já na Suíça, o eleitor vai às urnas quatro vezes por ano para votar em uma ampla gama de assuntos. A razão para recusa do governo e do Parlamento de definir regras é a noção de privacidade na Suíça, que vai muito longe. Como não há regras de transparência na Suíça, é difícil dizer qual o impacto que o dinheiro teve em campanhas indivi­du­ais. Então o dinheiro nunca é o único fator e a derrota não pode ser inculpada à falta de recursos financeiros, embora não seja possível negar que eles sejam importantes.»

«Em terceiro lugar, as democracias necessitam de partidos fortes para defender os interesses do público em geral, treinar políticos, organizar debates e informar cidadãos sobre questões políticas em jogo. Infeliz­men­te os grupos de interesse - sejam associações de empresários ou outros grupos ambientalistas que representam interesses privados por definição - têm muito mais fundos do que a maioria dos partidos. É no­tório que essas associações e grupos estão cada vez mais presentes na mídia. Elas dominam muitas vezes o espaço público, nomeadamente na Suíça alemã, à custa de partidos ou grupos de cidadãos.»

O livro

A A Democracia Direta não Concluída, publicada em alemão, é uma co­leção de ensaios de Gross, publicados nos últimos trinta anos. O livro de 390 páginas inclui análises históricas, comparações internacionais e um registro anual das decisões da democracia direta suíça, assim como entrevistas e seu discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova Iorque. Uma tradução para o francês está em planejamento.

O autor

Andreas Gross é um reconhecido especialista em democracia direta, autor e pesquisador. Nascido em 1952, ele passou os primeiros sete anos da vida no Japão até a mudança de sua família à Suíça. Estudou ciências políticas e trabalhou como pesquisador, docente e político em nível local, nacional e internacional. Foi membro do Parlamento suíço de 1991 a 2015 e representante da Suíça no Conselho da Europa por vinte anos. Ele foi líder do grupo socialdemocrata no Conselho da Europa por seis anos. Gross foi um dos organizadores da campanha que propôs abolir o Exército suíço. A iniciativa foi rejeitada pelos eleitores em 1989. Ele foi co-fundador da iniciativa de adesão da Suíça às Nações Unidas, aprovada em 2002. Também atuou como observador em mais de 90 elei­ções na Europa.


Kontakt mit Andreas Gross



Nach oben

Zurück zur Artikelübersicht